Quando se fala em Volta Redonda no cenário Hip Hop, em quase qualquer lugar do Brasil, o nome dele surge espontaneamente entre os presentes. Thiago conquistou públicos em diversas cidades por sua espontaneidade, seu carisma longe do microfone e sua atitude firme quando está cantando. O apelido “Elniño” vem exatamente daí, da “mudança climática” que demonstra em sua personalidade quando começa a soltar a voz.

É difícil datar quando Thiago começou a carreira. Ele mesmo já desistiu desta tarefa, mas foi em 2007 que começou a ser notado, durante as Batalhas de MCs realizadas pelo Espaço Cultural Francisco de Assis (ECFA), na Vila Mury. Ele confessa que já era fã dos artistas do local, como as bandas Bloco de Concreto e Sapiência (da qual se tornou vocalista). “Eu sempre curti as bandas de Volta Redonda e, de repente, me vi fazendo som com esses caras. O processo de aproximação com meus ídolos ajudou não apenas no meu desenvolvimento como músico, mas também para que eu não enxergasse artistas como celebridades”, relata, completando que este aprendizado foi essencial para as temáticas com que trabalha e para seu crescimento pessoal.

Entre as bandas que Thiago curte na região também é importante destacar Another Face, Lelin, Matheus Pinguin, e, claro, Amplexos, que faz parte da carreira de Elniño há sete anos, sendo a banda de abertura no lançamento de seu primeiro EP, “Prólogo”, em 2008. Desde 2010 essa parceria foi ampliada também para a produção das músicas, através do estúdio Casa, produtora tocada pelos integrantes da Amplexos. “Em 2010 o Thales Dias sugeriu que eu me aproximasse mais deles, pois a sonoridade que eu estava buscando se encaixava no trabalho que realizavam. Foi aí então que começamos a produção do CD, que será lançado ano que vem, depois de quase seis anos de busca”, revela.

Também foi no Casa que Thiago produziu o EP Cavalo de Briga (2010), o single “Amigo Branco” (2013) e a mixtape “Fundamento”, que reúne todas suas músicas e foi compilada para deixar registrado o trabalho do artista enquanto ele passava pelo processo de “desintoxicação” no último ano. “Eu precisava me afastar do cenário e observar ele de fora, algo como me desintoxicar desse ambiente pesado, de competitividade e duelo de egos que é o mundo da música. Mas eu continuei no estúdio e nos projetos educacionais que atuo. Este ano, em que fiquei teoricamente parado, foi o que mais trabalhei”, explica Thiago.

Neste ano a música dele também sofreu modificações. As temáticas sociais e de resistência, focadas na identidade do povo negro, continuam sendo as principais, mas agora ele se enxerga mais maduro na compreensão desses temas. “Um problema de saúde me levou à busca da minha espiritualidade e comecei a frequentar e trabalhar em um Centro de Umbanda. Logo que cheguei me disseram que eu ia ficar bem, mas que tinha sido enviado lá para entender o sentido das coisas que eu escrevia”, conta Thiago.

O novo clipe, cujo nome provisório é “Filho de Santo”, foi gravado neste Centro e é quase uma música de guerra, que chama o povo negro para abraçar sua religiosidade cultural. A produção ficou por conta do Nave, que já trabalhou com nomes como Marcelo D2, Emicida, Karol Conka e Ogi. Essa será a primeira música disponibilizada do EP “Gira”, que tem previsão de lançamento em janeiro e irá misturar rap com pontos de umbanda. Os arranjos são de Rafael Garcez e tudo está sendo feito com muita pesquisa, para não desrespeitar ninguém.

Agu ou Elniño?

Quem vê Thiago nas redes sociais se depara com essa dualidade. O perfil carrega o apelido Agu, enquanto o página se chama Elniño. Ambos “rebatismos” têm um forte significado na vida e na carreira do artista. “Em rodas de capoeira, jongo e outras manifestações da cultura negra é comum receber outra identificação. Eu fui chamado de Elniño já nas primeiras batalhas de MCs que participei, antes mesmo de me reconhecer de fato como músico”, relembra.

Já Agu foi o primeiro nome pelo qual seu sobrinho o chamou quando estava aprendendo a falar e tocou fundo no coração dele. O momento mais emocionante da carreira de Thiago também teve a participação do pequeno. “Foi em um show em Belo Horizonte, minha família é de lá e sou sempre recebido com muito carinho. Foi a primeira vez que minha mãe e meu sobrinho foram a um show, embaixo de um viaduto, com população de rua misturada ao público. Depois do show minha mãe me disse que não achava um lugar legal para a família, mas que era muito importante eu estar ali. Senti a benção matriarcal e me tornei o ídolo do meu sobrinho, que estava na corcunda do nosso primo fazendo mãozinha de hip hop”, emociona-se ao lembrar.

A Rotina do Pombo

Esta é a temática do CD que está sendo produzido há cinco anos por Elniño e pelo Casa. Além de músico, Thiago é educador social e usa o Hip Hop em oficinas, grupos de estudo e vivências. “A Rotina do Pombo é a história do cidadão de periferia que é retirado de seu espaço natural para comer migalhas na cidade, ocupando os piores postos de trabalho, com o uniforme sempre sujo e sendo mal visto pelos que estão ao seu redor”, explica. Podemos esperar deste CD muitas parcerias inusitadas, que foram pedidas, segundo ele, pelas próprias músicas. “Se o CD não for bem aceito, vou trabalhar com educação, vou fazer outra coisa, só não vou submeter minha música a não ser sincera”, garante o artista.

Outro trabalho de Thiago é com o Coletivo Pombos, também chamado Núcleo de Estudo Permanente da Cultura Hip Hop, fundado por ele e por jovens que participaram de suas formações. Atualmente, eles ministram as aulas ao lado de Elniño e, segundo o professor, já estão quase prontos para partirem em voos solo. Os encontros abertos acontecem na Cruz Vermelha de Volta Redonda, na Vila Santa Cecília, até duas vezes por mês. São filmes, debates e formações com a participação também de outros coletivos da região. A próxima ainda não tem data marcada, mas deve acontecer na última semana deste novembro.

Assita ao clip "Amigo Branco":

Confira a playlist que separamos para vocês: 

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